Volumen 31 Nº 3 (julio-septiembre) 2022, pp. 264-267
ISSN 1315-0006. Depósito legal pp 199202zu44
PEREIRA, Sofia L. B. y CRONEMBERGER, Izabel H. G. M. (2020) Serviço Social em tempos de pandemia: provocações ao debate. EDUFPI. Teresina. Pp. 472
A pandemia COVID-19 do novo coronavírus (SARS-CoV-2) impactou o mundo não apenas na área da saúde, mas em todas as esferas da vida em sociedade. No Brasil, país permeado por desigualdades socioeconômicas, são inúmeros os desafios a serem enfrentados em decorrência da crescente proliferação da doença e das sequelas causadas por esse coronavírus. Nesse contexto, o livro Serviço Social em tempos de pandemia, organizado pelas professoras Sofia Pereira e Izabel Cronemberger, traz reflexões acerca da atuação profissional de assistentes sociais em cidades do Piauí e do Maranhão, sendo que parte deste último integra o território da Pan-Amazônia.
O Piauí e o Maranhão são unidades federativas localizadas em regiões periféricas do nordeste brasileiro, marcado por contrastes socioeconômicos com problemas estruturais agravantes em termos de desigualdades. Neste sentido, é importante que haja comunicações, como esta obra o faz, para provocar o debate público e lançar luzes para as práticas e sociabilidades realizadas nessas, e a partir dessas, regiões.
Foi a primeira obra deste campo de conhecimento publicada literalmente em tempos de COVID-19; a partir de relatos da experiência de 40 assistentes sociais atuantes em instituições da área da saúde, assistência social, direitos e políticas públicas para mulheres, previdência social, educação e campo sociojurídico. Isso permitiu compor 18 capítulos, organizados em seis seções, cujos relatos revelam-se técnicas que auxiliam trabalhos de pesquisa e extensão, tanto para descrever e analisar situações peculiares, quanto refletir sobre ações formativas e profissionais. Cada relato exposto permite ao sujeito que relata e ao leitor que aprecia seu texto aprenderem com vivências que possibilitam aproximar ações afins, mesmo em um contexto de distanciamento e de isolamento social, provocados pela pandemia.
A primeira seção ‘Saúde’ é constituída de oito artigos que abordam o processo de trabalho de assistentes sociais em instituições públicas e privadas, prestando serviços de saúde. São relatos de equipes multiprofissionais atuando na linha de frente do enfrentamento à COVID-19. São vivências em hospitais públicos e privados, Unidades de Saúde, Estratégia Saúde da Família, Residência Multiprofissional, Setor de Oncologia, UTI e Centro de Atenção Psicossocial Infantojuvenil. O destaque desta seção, para além da descrição do cotidiano profissional de assistentes sociais no atendimento de pacientes acometidos por COVID-19, traz análises críticas do momento atual com suporte científico na área da saúde. Tais análises remetem, sobretudo, às reformas neoliberais instituídas no Brasil como a Emenda Constitucional nº. 95/2016 (http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/emendas/emc/emc95.htm), vista como um dos instrumentos normativos que repercute na fragilização do funcionamento do Sistema Único de Saúde – SUS (existente desde a Constituição Federal Brasileira de 1988), bem como em precarização do trabalho de profissionais de saúde e de analistas de políticas públicas como os Assistentes Sociais.
Esta seção revela impressões vivenciadas no ambiente de trabalho e mesmo que existam análises incipientes sobre a própria atuação frente aos efeitos dos primeiros meses da crise causada pela pandemia, entende-se ser importante contribuir para o debate profissional. Isso é importante devido às constantes exigências de adequação do processo de trabalho de assistentes sociais e das novas estratégias de atuação para tentar responder às mudanças e implicações da pandemia nos serviços de saúde prestados por esses profissionais.
A seção II ‘Assistência Social’ é composta por três capítulos, com reflexões sobre a prática profissional nas instituições responsáveis por levar à população ações, projetos e programas que conformam a Política Nacional de Assistência Social. A seção aborda um panorama sobre o Auxílio Emergencial destinado à população em função do contexto pandêmico da COVID-19 e o atendimento em um Centro de Referência Especializado da Assistência Social (CREAS) das situações de violação de direitos. O desfecho contempla relatos acerca dos desafios e estratégias de acolhimento da população em situação de rua durante a pandemia em Teresina - PI. O contexto crítico vivenciado por uma das capitais mais pobres e periféricas do Brasil conduz ao seguinte aprendizado: para prestar os serviços de assistência social às famílias em situação de vulnerabilidade social e em situação de rua, é necessário o fortalecimento do diálogo entre a gestão e as equipes das instituições parceiras que atuam no enfrentamento dessas demandas.
A terceira seção ‘Enfrentamento da Violência contra Mulher’ é constituída por dois artigos. Um traz a experiência da Secretaria Municipal de Políticas Públicas para Mulheres de Teresina e o segundo a experiência profissional do Serviço Social do Centro de Referência Esperança Garcia (CREG) no atendimento às mulheres vítimas de violência. A seção destaca a potencialização dos casos de violência nesse período de isolamento social, sobretudo expressões da violência doméstica e sexual. As duas experiências compartilhadas por meio dos artigos supramencionados provocam reflexões como a violência contra a mulher está cristalizada em nossa sociedade como um fenômeno natural, o que não é. As mulheres necessitam se reconhecer em situação de violência para romper com esse ciclo. Contudo, as instituições precisam dar suporte psicológico, social e jurídico às mesmas a fim de contribuir na superação das marcas físicas e psicológicas deixadas pela violência sofrida.
A ‘Previdência Social’ é o tema da quarta seção, retratando em dois capítulos a atuação de assistentes sociais em unidades do Instituto Nacional do Seguro Social – INSS em Teresina – PI e em São Luís - MA. Destaca-se o processo de transformação digital no INSS, o trabalho remoto (em home office), bem como os desafios postos à profissão nesse processo. Se para algumas profissões o trabalho em home office demonstra ser mais adequado e produtivo, por outro esta seção sinaliza que tal prática não é necessariamente extensível à todas as atividades profissionais, principalmente no setor público. Na experiência relatada, o trabalho em home office revelou incompatibilidades com as práticas profissionais, requerendo novas reflexões e adequações.
A quinta seção ‘Educação’ é constituída por dois capítulos sobre: a prática profissional de assistentes sociais em tempos de pandemia no trabalho junto à Política Nacional de Assistência Estudantil na Universidade Federal do Piauí – UFPI; e, as reconfigurações do trabalho de assistentes sociais na Política de Educação em tempo de pandemia, a partir das vivências no Instituto Federal do Piauí – IFPI. A seção retrata o desmonte da política pública de educação e o aprofundamento das expressões da questão social em função do aumento do desemprego no contexto da pandemia. Os problemas sempre existiram, mas com os efeitos da crise generalizada provocada pela COVID-19 essas instituições tiveram de repensar sua intervenção no que se refere à assistência estudantil a fim de atender às necessidades de seus alunos. Dentre essas intervenções, destaca-se o levantamento socioeconômico de estudantes para conhecer suas reais necessidades frente à pandemia, bem como a realização de ações assistenciais como coleta de alimentos para distribuir a estudantes e trabalhadores terceirizados em situação de insegurança econômica e alimentar.
A última seção ‘Sociojurídico’ se refere ao conjunto de instituições existentes no sistema judiciário e discute os desafios enfrentados por assistentes sociais que atuam no Sistema de Justiça Piauiense, durante a pandemia. É uma reflexão que traz à baila a realidade vivenciada por profissionais que precisam se preparar para lidar com as novas Tecnologias de Informação e Comunicação (TIC´s) a fim de preservar suas vidas e a dos usuários dos serviços prestados.
A despeito do livro não se aprofundar em questões específicas da COVID-19, debate questões tradicionais e emergentes sobre a atuação do profissional formado em Serviço Social. É perceptível que os apontamentos sobre a pandemia em si são limitados em termos do que o Estado brasileiro fez para conter os avanços do novo coronavírus. Isso porque foi um material escrito no primeiro semestre de 2020, quando se iniciavam as primeiras pesquisas e se vivia os primeiros impactos da pandemia no país, com elevada incerteza, sem desconsiderar o medo. Contudo, o livro agrega relatos e posicionamentos críticos do contexto pandêmico. Não se trata de uma análise sobre o que se viveu, mas sobre o que está em curso – as consequências da COVID-19 e seus rebatimentos na vida dos profissionais da linha de frente do atendimento às demandas da população em contexto marcado por incertezas diversas.
Este livro é indicado aos profissionais das áreas da saúde, serviço social, direito e educação, bem como aos acadêmicos de (pós)graduação e pesquisadores da temática, sobretudo das disciplinas da saúde e das ciências sociais aplicadas. Ressalta-se que as experiências relatadas a partir da periferia do Nordeste brasileiro, provocam reflexões sobre questões e ações que não se limitam àquela região e, principalmente, aos territórios analisados. Isto torna o livro uma fonte de dados relevantes para estudos numa sociedade pós-pandêmica, leia-se: após o surto do COVID-19 enquanto pandemia. Por fim, seus contributos residem em levar o público alvo à reflexão de como as políticas de saúde ou ausência das mesmas podem repercutir na vida de milhares de pessoas, de forma ainda mais intensa em regiões periféricas. Da mesma forma, refletir como a desigualdade social, num momento como este, pode sobrecarregar ainda mais o SUS e demais áreas de atuação das políticas públicas.
Lundrigs de Sá
Universidade do Estado do Amazonas. Manaus, Brasil
Email: lundrigs@hotmail.com
Magnus Emmendoerfer
Universidade Federal de Viçosa. Minas Gerais, Brasil.
E-mail: magnus@ufv.br
Agradecimentos
O presente trabalho foi realizado com apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES), Brasil.