Mães Gestoras – Uma análise da influência da maternidade na vida profissional das líderes
Kelly Daiana Michel
Moema Pereira Nunes
Resumo
A presença de gestoras mães no mercado de trabalho é uma constante no ambiente contemporâneo e a forma como a maternidade é conciliada com a vida profissional pode ser um dos pontos chaves da liderança feminina. Esse estudo tem como objetivo principal analisar a trajetória da mulher gestora e mãe, revelando como a maternidade influenciou nesse processo. A pesquisa tem cunho qualitativo, de natureza aplicada, com objetivo descritivo. A técnica de pesquisa utilizada foi a pesquisa de campo, com a coleta de dados por meio de entrevistas semiestruturadas. Foram realizadas 20 entrevistas com mães que ocupam posições em lideranças. Na análise desses dados ficou explicito que as gestoras aplicam no dia a dia do trabalho os conhecimentos obtidos por meio da maternidade e que a maternidade impacta mais positiva do que negativamente na vida profissional.
Palavras-chave: Maternidade; Gestoras mães; Liderança; Aprendizados; Dificuldades
Universidade Feevale. Novo Hamburgo, RS, Brasil
E-mail: kelly.dmichel@hotmail.com
ORCID: 0000-0002-9729-9074
Universidade Feevale. Novo Hamburgo, RS, Brasil/
Otto-von-Guericke Universität Magdeburg, Alemanha
E-mail: moemanunes@hotmail.com
ORCID: 0000-0002-8055-2176
Recibido: 14/07/2021 Aceptado: 05/12/2021
Managing Mothers – An analysis of the influence of motherhood in the professional lives of leaders
Abstract
The presence of mother managers in the labor market is a constant in the contemporary environment and the way motherhood is reconciled with professional life can be one of the key points of female leadership. This study has as main objective to analyze the trajectory of the woman manager and mother and how motherhood influenced this process. The research has a qualitative nature, of an applied nature, with a descriptive objective. The research technique used was field research, with data collection through semi-structured interviews. Twenty interviews were carried out with mothers who occupy leadership positions. In the analysis of these data, it was made clear that the managers apply the knowledge obtained through motherhood in their daily work and that motherhood impacts more positively than negatively on professional life.
Keywords: Maternity; Mother managers; Leadership; Learnings; Difficulties
Introdução
A autonomia feminina e a conquista de espaço no mercado de trabalho são consequências da atuação das mulheres no mundo corporativo, representando 43,8% dos trabalhadores ativos no Brasil segundo dados do IBGE (2018). Todavia, em cargos de gestão, este percentual cai para 3% e, com relação a salários, elas têm uma média 20,5% menor que os homens, conforme os dados da mesma pesquisa. Neste espaço, a idade fértil da mulher, entre 15 e 49 anos (OMS, 2018), coincide com a sua idade profissionalmente ativa.
Apesar da existência de medidas de amparo à mulher durante a gestação e a licença maternidade, revista pela última vez em 1988, ainda persiste um conflito entre a vida profissional e a decisão pela gestação. No Brasil, 48% das mulheres passam por rescisões contratuais após a licença-maternidade (Marie Claire, 2017), as quais nem sempre são definidas exclusivamente pelo empregador. Em muitos casos a iniciativa parte da mulher em decorrência das dificuldades enfrentadas no retorno como o aleitamento materno, a carga horária de trabalho e ainda a falta de opção de local para deixar o bebê em período integral. Muitas mães profissionais apresentam sentimentos de vulnerabilidade relacionados com a licença maternidade (Rodrigues e Sapucaia, 2017). A maternidade traz muitas responsabilidades, não apenas logo após o nascimento, mas envolve ainda o acompanhamento da vida médica, escolar e social do filho, atividades que a mãe precisa harmonizar com a carreira profissional (Leal, 2013). Cobranças sociais, aliadas às novas experiências da maternidade, podem levar a um processo de sofrimento-angústia (Albertuni e Stengel, 2016) decorrente dos ideais perfeitos de mãe e profissional (Cavalcanti e Baía, 2017).
Ações de proteção e preservação do espaço profissional das mães têm sido ineficazes para impactar na quantidade de profissionais em espaços de poder (Rodrigues e Sapucaia, 2017). A perspectiva andrógina no ambiente de negócios fez com que a licença maternidade se torne, em algumas situações, uma barreira única às mulheres (Hryniewicz e Vianna, 2018). A maternidade ainda é alvo de uma perspectiva “machista” no ambiente corporativo, em especial quando relacionada com posições de liderança (Cembranel et al., 2020). A maternidade ainda se revela como uma das barreiras que limitam o acesso a cargos mais altos pelas mulheres no ambiente corporativo (Lima et al, 2013).
Entretanto, a maternidade e a carreira não deveriam representar uma dicotomia. Não há necessidade de renunciar uma para ter sucesso em outra. Mas há a necessidade da construção deste equilíbrio pela mãe e pelos gestores das organizações. A experiência da maternidade pode contribuir para que as gestoras mulheres desenvolvam habilidades de gestão e liderança. Cognitivamente, a mãe precisa direcionar o filho, ensinar-lhe passo a passo (Justo et al., 2014), é necessário ter empatia, colocar-se no lugar do outro, o que também é fundamental para o desenvolvimento de habilidades interpessoais.
Dentro deste contexto de aumento da participação da mulher no mercado de trabalho e do potencial de ampliação da atuação das mesmas em funções de liderança, este estudo analisa como a maternidade influencia a atuação das gestoras a partir da análise de suas trajetórias profissionais de gestoras mães, identificando assim como elas conduzem suas atividades para conciliar trabalho e maternidade, os principais desafios enfrentados para a atuação em posições de liderança, seus aprendizados e os impactos na atuação como gestoras e líderes.
A Identidade Feminina
Até meados do século XVIII, o espaço público era destinado aos homens, que eram provedores dos lares e mantinham os relacionamentos profissionais. À mulher bastava o título de dona de casa; ela tinha como obrigação cuidar do lar, procriar, educar os filhos, cozinhar, limpar e servir ao esposo (Braga et al., 2018). As mulheres eram apenas reflexos dos homens com quem conviviam, sejam esposos ou seus pais (Assis e Santos, 2016). De grande importância para esta mudança foi a Revolução Francesa. Devido às necessidades que a revolução trouxe aos lares, as mulheres se viram obrigadas a lutar pelo sustento dos filhos, a trabalhar fora e a se impor na sociedade. Foi a Revolução Francesa que trouxe o direito ao divórcio, consequência da constituição de 1791 (Perrot et al., 2009). Mas é somente no século XX, durante a Segunda Guerra Mundial, que a mulher passa a ocupar espaço no mercado de trabalho. As mulheres passaram a ocupar novas posições no mercado de trabalho em decorrência da redução da mão-de-obra masculina o que levou à intensificação dos movimentos feministas (Farinha e Scorsolini-Comin, 2018). Entretanto, no contexto brasileiro, essa evolução foi mais tardia. De 1916 até 1977 havia o desquite, o qual instituía a incomunicabilidade patrimonial e a extinção dos deveres conjugais, mas não permitia a contratação de novas núpcias. Nesse período, predominava um juízo de valor negativo sobre o rompimento da relação matrimonial. Apenas a partir de 1977 que o divórcio foi instituído no sistema jurídico brasileiro, ou seja, a união matrimonial passou a ter a possibilidade de dissolução (Curti-Contessoto e Barros, 2018). Esses eventos contribuíram para que as mulheres começassem a se manifestar, a questionar e a intervir; surgindo o empoderamento feminino.
Novos valores emergiam na sociedade do período e alterações de conceitos, estilos de vida e arranjos familiares/sociais (Kanan, 2010) levaram ao surgimento do termo empoderamento nos Estados Unidos durante os movimentos de direitos civis de 1960 (Cruz, 2018). O empoderamento feminino é traduzido na ideia de que a mulher pode escolher o seu papel na sociedade, ou os seus papéis, não havendo certo ou errado, nem cedo ou tarde para suas escolhas (Rosas, 2009). A saída do ambiente doméstico criou, assim, um novo perfil de mulher, a mulher contemporânea.
Mulher Contemporânea
Ao sair do espaço privado e destacar-se no espaço público, a mulher teve que aprimorar outros campos da vida, vinculando suas características pessoais e adaptando-as para o âmbito profissional. Ao mesmo tempo em que avança no ambiente profissional, observa-se uma diminuição da hierarquia conjugal pois, ao participar do sustento do lar, a mulher deixa de ser subordinada ao esposo/provedor (Cruz, 2018). Nesse contexto, destaca-se a importância da educação como forma de atenuar a desigualdade de responsabilidades entre homens e mulheres no cuidado com os filhos (Souza et al., 2019).
O maior triunfo da mulher, no que diz respeito ao seu destino, é o avanço da endocrinologia, com a descoberta da pílula anticoncepcional na década de 1960. Ao mesmo tempo, ao poder manifestar o seu potencial intelectual, sua capacidade de trabalho e de competitividade (Baptista, 1995), a mulher passa a repensar seu futuro com a consciência de que ela pode seguir caminhos diferentes dos de suas antecessoras.
A questão de gerir profissão e família transpõe a ideia de número ilimitado de filhos. Os métodos contraceptivos e a rotina diferenciada permitem a redução do número de filhos, ou o adiamento dos mesmos para primeiro consolidar a carreira. Algumas optam por não ter nenhum filho e por não casar, fator impensável em séculos passados, ao menos por opção da mulher (Bruzamarello et al., 2019). A mulher contemporânea pode ocupar na sociedade o papel que lhe interessa, sendo admirada por isso; ela conhece seu corpo e usa sua sexualidade para o seu prazer, sem que isso esteja obrigatoriamente ligado ao casamento ou à procriação (Farinha e Scorsolini-Comin, 2018).
As mudanças culturais não significam que a família não tenha mais importância ou que as mães não são mais necessárias para a criação dos filhos. As mulheres começam a ajudar nos proventos e os pais nos afazeres do lar e cuidado com os filhos. Há ainda um maior poder aquisitivo dos casais, com ambos trabalhando em prol do conforto da família (Bruzamarello et al., 2019).
Mães Trabalhadoras
Uma das principais pressões profissionais enfrentadas pela mulher na atualidade é a de provar sua competência para equilibrar as demandas da carreira e da vida pessoal (Almeida e Santos, 2018), o que pode tornar-se mais complexo após a maternidade. Quando a mãe dá à luz ao filho, ela precisa ausentar-se do seu trabalho para dedicar-se ao recém-nascido, tendo 120 dias de licença maternidade conforme a legislação brasileira. Esse período possibilita à mãe estabilidade para cuidar do bebê e se recuperar do parto. O vínculo entre mãe e filho é primordial nos primeiros meses dessa fase (Rimes et al., 2019). Moreira et al. (2021) constaram que as empresas tendem a ofertar apoio às mulheres mães de acordo com as obrigatoriedades jurídicas, sendo pouco frequente a existência de políticas organizacionais que expandam esses benefícios visando atender às necessidades das mães e, consequentemente, sua retenção no trabalho.
O ambiente profissional ainda é um desafio para as mulheres que precisam conciliar suas vidas laborais, pessoais e familiares (Reigada et al., 2021). Quando a licença-maternidade termina, é chegada a hora de retornar ao trabalho, e enfrentar todas as mudanças pertinentes a esse momento. Não existe apenas uma forma correta de driblar a dupla jornada feminina. Conforme Rosas, “[A]lgumas sacrificaram sua carreira de sucesso para cuidar dos filhos. Outras criaram empresas próprias que podem administrar de casa. A maioria busca creches e trabalha no período integral” (2009: 19). A mulher passa a ter que dividir o seu tempo entre a sua vida pública e a privada, entre as demandas da profissão e as da família (Albertuni e Stengel, 2016). A renda proveniente do trabalho da mulher é muitas vezes determinante para a manutenção das despesas do lar, sejam elas casadas ou não.
O trabalho doméstico e de criação dos filhos permanece muitas vezes não sendo visto pela sociedade e, consequentemente, sendo ignorado como uma demanda da vida das mulheres brasileiras (Martins e Marinho, 2021). Para que as mães tenham rendimento efetivo no trabalho é necessário que seus filhos estejam bem, saudáveis e com os cuidados adequados; é essencial que tenham um tempo para dedicar-se a eles. À medida que os empregadores reconhecem essas necessidades e colaboram para que sejam supridas, as organizações ganham, pois as mães rendem efetivamente mais (Elisson, 2006).
Ainda, é preciso considerar que a maternidade, tanto o parto como a criação dos filhos, possuem uma lógica institucional, ou seja, estão carregados de afeto, significados culturais e técnicas científicas, sujeitos à mudança ao longo do tempo (Picheth e Crubellate, 2019). Muitas mulheres ainda enfrentam muitas cobranças internas (conflitos pessoais) que as levam a adotarem estratégias defensivas consigo mesmas face à relação entre trabalho e maternidade. Há um conflito entre como essas mães se enxergam e o que elas compreendem como uma “boa mãe” (Andrade et al., 2020). Muitas das atividades de cuidado dos filhos tornaram-se naturalizadas como de responsabilidade exclusivamente feminina ao longo do tempo, permanecendo como forte elemento cultural em muitas sociedades (Antoniazzi, 2021).
As mudanças recorrentes da chegada da criança vão além da rotina. De acordo com Giordani, Piccoli, Bezerra e Almeida, “na mudança de sua identidade, a mulher passa a assumir uma nova condição de si, da vida, das relações, dos outros, provocando uma transformação de comportamento, posturas” (2016: 2736). Enquanto Elisson (2006) destaca que a maternidade é um grande motivador na vida profissional das mulheres, Bussab (2002) ressalta que a gravidez e o parto mudam a estrutura cerebral da mulher e o estabelecimento de novos percursos neurais contribui também para acentuar capacidades sensoriais como o olfato e a audição. Anatomicamente, o cérebro diminui em torno de 7% no período próximo ao parto, ocorrendo a diminuição na produção de novas células, ao mesmo tempo em que há um grande aumento no desenvolvimento das espinhas dendríticas, as quais poderão gerar novas sinapses após o parto, quando o cérebro recupera seu tamanho anterior (Elisson, 2006).
Os avanços da medicina permitiram a mulher adiar a maternidade de forma segura, opções como congelamento de óvulos e fertilização in vitro, possibilitam que a mulher defina o melhor momento para se tornar mãe, flexibilizando assim as barreiras da idade (Maluf, 2009). Desta forma, Moura e Oliveira-Silva afirmam que “a realização profissional envolve o esforço despendido pelo indivíduo para viver de acordo com as metas de carreira que estabeleceu para si” (2019: 3). Após a chegada do filho, essas mulheres anseiam em continuar sua carreira, mas conciliando com a maternidade.
No cenário contemporâneo, no qual são valorizadas as habilidades e experiências, aliadas à confiança e dedicação, as organizações não podem perder profissionais simplesmente pelo fato de que se tornaram mãe. Há uma necessidade de reter esses talentos e entender que essas gestoras precisam se adaptar às mudanças que a maternidade impõe (Hewlett, 2008). Ao mesmo tempo, é preciso cuidado ao lidar com uma imagem irreal da mãe como um ser superpoderoso, perfeita, zelosa, atenciosa, boa dona de casa e profissional competente (Campos, 2013). As mães não são supermulheres, mas elas não se tornam seres inferiores após a maternidade. Arteiro afirma que “[O]s elementos que compõe a maternidade são fomentados a partir de um processo multideterminado, no qual fatores fisiológicos, psicológicos, culturais e sociais se entrelaçam” (2017” 92). Silva, Carvalho e Silva explicam que as mulheres “ainda precisam lutar contra uma lógica perversa que associa, nas organizações, os cargos de gerência e direção às características masculinas e que tem dificultado a ascensão profissional das mulheres nas empresas” (2017: 1).
Muito embora a conciliação entre a maternidade e a ocupação profissional ocorra naturalmente para a maioria das mulheres, esse processo gera sobrecarga em relação às responsabilidades das mulheres (Silva et al., 2019). Entretanto, como trabalho é uma importante fonte de realização pessoal, as mulheres enfrentam as dificuldades de conciliação nessa dupla jornada (Andrade e Iwamoto, 2019).
Liderança Feminina
As mulheres enfrentam uma luta por muitas vezes sacrificante e silenciosa para alcançar espaço, desmitificando tabus e demonstrando preparo e competência, não competindo ou igualando-se ao homem, mas sim demonstrando que a mulher é capaz de utilizar habilidades femininas para concluir tarefas e liderar equipes (Hryniewicz e Vianna, 2018). Mulheres em cargos de liderança no Brasil tem dificuldade para conciliar a maternidade e o trabalho, bem como gerir equipes (Cembranel et al., 2020). Entretanto, há uma sinergia entre o comportamento feminino e as demandas para os líderes contemporâneos (Mandelli, 2015). A busca pela empatia, preocupação com o autodesenvolvimento, comunicação, organização, visão sistêmica e resiliência são exemplos destas características (Hryniewicz e Vianna, 2018; Mandelli, 2015; Moller e Gomes, 2010), as quais não são exclusivas das mulheres, porém tornam-se mais evidentes nelas.
Silva, Carvalho e Silva enfatizam que “as mulheres conquistaram o espaço que estava preenchido pelos homens, nas corporações, com três características fundamentais: poder de competição, habilidades de pensar analiticamente ou estrategicamente” (2017: 6). A aptidão feminina de manter relacionamentos mais estreitos, torna a gestão mais estratégica pois a mulher mede os sentimentos para a tomada de decisões, sempre preocupada em como refletirá no outro (Moller e Gomes, 2010). O poder de persuasão feminino, a maior facilidade nos relacionamentos e a visão ampla de negócio, são indicativos de sucesso na liderança que as organizações já percebem (Fonseca, 2013). As mulheres têm a sensibilidade como um fator emocional que pode ser decisivo quando há a necessidade de avaliar as reações não expressadas de colegas e subordinados (Silva et al., 2017).
O exercício da liderança por mulheres enfrenta barreiras decorrentes da maternidade, da dupla jornada de trabalho e do machismo nos ambientes corporativos (Travisan, 2018). Mulheres em cargos de liderança apontam a maternidade como uma de suas maiores dificuldades, e muitas ainda optam por desistir desses cargos para terem melhores condições de trabalho ao se tornarem mães (Silva e Rodrigues, 2020). Dentre as que persistem, elas destacam que os desafios para alcançar postos de liderança mostram tão ou menos intensos do que os desafios para a manutenção nesses cargos, o que leva muitas mulheres a ocuparem cargos de liderança em níveis secundários nas organizações (Travisan, 2018). Ainda, essas dificuldades encontram-se presentes mesmo para gestoras que já alcançaram níveis mais seniors, sendo a desigualdade de gênero uma constante em suas trajetórias profissionais (Evans e Maley, 2021). O machismo é uma barreira para a ascensão de líderes mulheres, sendo percebido por meio da diferença salarial, barreiras à ambição profissional, julgamentos à aparência e o desrespeito da equipe frente à líder mulher (Cembranel et al., 2020).
Método de Pesquisa
Esta investigação foi desenvolvida a partir de uma abordagem qualitativa, com o desenvolvimento de uma pesquisa de campo por meio da análise da trajetória profissional de gestoras mães, assumindo assim um caráter descritivo. A unidade de análise foi delimitada por gestoras mães que atendessem aos seguintes critérios: (1) que já tivessem retornado no período de licença maternidade no período de coleta de dados; (2) que estivesse trabalhando durante ao menos uma de suas gestações; e, (3) que ocupassem cargos de liderança por no mínimo 2 anos considerando o momento de coleta de dados da pesquisa. A partir de um pequeno número inicial de potenciais entrevistadas, foi empregada a técnica de bola de neve para a identificação de indicações. O número final de entrevistadas foi estabelecido considerando como critério a saturação das informações obtidas a cada nova coleta de dados. Ao final obteve-se um número de 20 gestoras mães entrevistadas, as quais são apresentadas no Quadro 1.
Quadro 1 – Perfil das entrevistadas
Entrevistada |
Idade |
Idade que foi mãe (primeiro filho) |
Quantidade de filhos |
Idade dos filhos (momento da entrevista) |
Temo na gestão |
Situação profissional ao engravidar |
Situação de relacionamento ao engravidar e até o momento |
1 |
50 |
25 |
1 |
24 |
26 |
Diretora de escola |
Casada – até o momento |
2 |
54 |
25 |
4 |
29, 25, 24 e 20 |
27 |
Professora |
Casada – até o momento |
3 |
49 |
21 |
2 |
28 e 22 |
14 |
Babá |
Casada – até o momento |
4 |
35 |
27 |
1 |
8 |
5 |
Analista fiscal |
Casada – até o momento |
5 |
31 |
23 |
2 |
2 e 8 |
5 |
Estagiária |
Casada – até o momento |
6 |
46 |
36 |
1 |
10 |
21 |
Pró-reitora |
Casada – até o momento |
7 |
37 |
35 |
1 |
1 |
11 |
Gerente geral de Recursos Humanos |
Casada – até o momento |
8 |
37 |
28 |
2 |
10 e 6 |
18 |
Diretora de escola |
Casada – até o momento |
9 |
47 |
19 |
5 |
28,26,24,22 e 15 |
10 |
Industriaria |
Casada - divorciada, e atualmente casada com outra pessoa, com a qual não tem filhos |
10 |
46 |
37 |
1 |
9 |
15 |
Supervisora de Comercio exterior |
Casada – até o momento |
11 |
59 |
28 |
2 |
32 e 27 |
30 |
Diretora de escola |
Casada – até o momento |
12 |
46 |
35 |
2 |
10 e 2 |
15 |
Médica |
Casada - Viúva e atualmente casada com o pai do segundo filho |
13 |
33 |
30 |
1 |
2 |
5 |
Coordenadora de equipe |
Casada – até o momento |
14 |
39 |
33 |
3 |
6, 3 e 3 (gêmeos) |
11 |
Gestora financeira |
Casada – até o momento |
15 |
42 |
34 |
2 |
8 e 3 |
22 |
Gestora administrativa |
Casada – até o momento |
16 |
53 |
19 |
2 |
34 e 30 |
23 |
Professora |
Casada – até o momento |
17 |
38 |
37 |
1 |
1 |
10 |
Coordenadora comercial |
Casada – até o momento |
18 |
44 |
21 |
1 |
23 |
20 |
Modelo |
Casada - separou-se e hoje é casada com outra pessoa, com a qual não tem filhos, mas tem enteados |
19 |
48 |
30 |
4 |
20, 17, 17 e 16 (gêmeos) |
8 |
Autônoma |
Casada – até o momento |
20 |
43 |
33 |
1 |
10 |
20 |
Gestora administrativa |
Namorava o pai do filho - hoje é solteira. |
Fonte: Elaborado pelas autoras a partir dos dados da pesquisa
Todas as entrevistas ocorreram no segundo semestre de 2019 e foram gravadas com o consentimento das mulheres. As entrevistas semiestruturadas permitiram outras perguntas pertinentes a lógica do tema. Conforme Lakatos e Marconi “o entrevistador tem liberdade para desenvolver o tema da interação em qualquer direção que considere adequada. É uma forma de poder explorar mais amplamente a questão” (2017: 32). O roteiro de entrevistas foi elaborado a partir da revisão teórica e segmentado em quatro temas: trajetória; dificuldades; aprendizados; e, impactos. Os autores que sustentam cada tema são apresentados no Quadro 2.
Quadro 2 – Categorias de análise e autores de referência
Categorias de análise |
Principais autores |
Trajetória profissional |
Andrade et al. (2020) Andrade e Iwamoto (2019) Cruz (2018) Beltrame e Donelli (2012) Bruzamarello et al. (2019) Farinha e Scorsolini-Comin (2018) Moura e Oliveira-Silva (2019) Picheth e Crubellate (2019) Reigada et al. (2021) |
Desafios |
Andrade et al. (2020) Antoniazzi (2021) Bruzamarello et al. (2019) Brasil e Costa (2018) Cruz (2018) Martins e Marinho (2021) Mósca et al. (2014) Picheth e Crubellate (2019) |
Aprendizados |
Ellison (2006) Farinha e Scorsolini-Comin (2018) Moler e Gomes (2010) Rosas (2009) |
Impactos |
Cembranel et al. (2020) Hryniewicz e Vianna (2018) Mandelli (2015) Moller e Gomes (2010) Silva et al. (2017) |
Fonte: Elaborado pelas autoras a partir da revisão teórica
Após a transcrição das entrevistas, os dados foram analisados de forma interpretativa seguindo estas quatro categorias. Esta mesma divisão serve de segmentação para a apresentação e a análise dos dados, a seguir.
A Trajetória das Gestoras Mães
A trajetória das gestoras mães inicia com o planejamento da maternidade. A maioria das entrevistadas, 15 delas, planejaram ao menos um dos filhos. O Quadro 1 apresenta a idade das entrevistadas no momento do nascimento do primeiro filho. A Entrevistada 6, comenta que sua ginecologista a pressionou, no tom de “agora ou nunca”. Da mesma maneira, a Entrevistada 12 relata que engravidou devido à pressão que sentiu pela idade considerada limite pela medicina para uma gravidez tranquila.
As entrevistadas 1, 4, 5, 6, 7, 10, 11, 17 e 18 relatam que tiveram uma gestação tranquila e conseguiram manter o trabalho normalmente durante esse período. Algumas das entrevistadas relatam que tiveram problemas durante a gestação, que influenciaram na sua rotina de trabalho, não permitindo que trabalhassem em período integral do início ao fim da gestação (Entrevistadas 3, 9, 13, 15, 16, 19 e 20). A Entrevistada 12 relata que diminuiu sua carga horária nas duas gestações, por opção própria, e a Entrevistada 14, que teve uma gestação de gêmeos, explica que desde as 28 semanas precisou trabalhar em casa devido às restrições que tinha pelo estágio da gravidez.
Nem todas as mães conseguiram manter o afastamento profissional durante o período de licença maternidade. Essa situação foi percebida principalmente nas mães que são empreendedoras/empresárias e cujo negócio depende de sua presença constante. Como destaca a Entrevistada 1, esse retorno rápido não se revelou como um problema, mas como uma situação a ser administrada na qual a presença junto ao filho exigia adaptações. A mesma situação foi enfrentada pelas Entrevistadas 15 e 14, as quais ainda relataram a possibilidade de retorno progressivo ao trabalho. As entrevistadas 4, 6, 7, 9, 10, 13, 16 e17 fizeram licença-maternidade de no mínimo quatro meses. Nenhuma delas era proprietária/sócia da empresa em que trabalhavam. Destaca a Entrevistada 1: “Eu nunca tive licença. Sendo empreendedora eu fiquei no máximo duas semanas em casa”. Essas experiências corroboram o exposto por Rosas (2009), ao afirmar que não há um padrão na trajetória das profissionais que se tornam mães. Ao mesmo tempo, revelam os desafios expostos por Reigada et al. (2021) sobre a necessidade de conciliar vidas laborais, pessoais e familiares após a maternidade.
Enquanto a Entrevistada 10 afirma que: “Eu nunca tive nenhuma questão relacionada a maternidade e carreira, eu acho que os dois podem andar juntos (...)”; esta não é a realidade de todas. Duas mães optaram por empreender em decorrência da maternidade. Elas iniciaram seus negócios a partir de carências de oferta de produtos e serviços vivenciadas durante suas gestações. As entrevistadas 5, 6, 7, 8, 13 e 17, por sua vez, optaram por construir a carreira, estudar, ter uma estrutura financeira que julgassem adequada para somente depois se dedicar à maternidade. Para a entrevistada 17:
O meu critério foi primeiro investir na minha carreira, no meu desenvolvimento profissional e eu sempre tive vontade de ser mãe, sempre esteve nos meus planos, mas eu sempre pensava que isso deveria acontecer quando eu estivesse mais madura, mais preparada financeiramente, nunca cogitei ser dependente de alguém, sempre fui independente financeiramente.
Já para conciliar maternidade e carreira, em unanimidade, as entrevistadas comentam que a rede de apoio é o principal suporte. A rede de apoio apresenta diferentes formas; para algumas é o esposo, para outras os pais, os padrinhos, os amigos, as escolas e as babás. Cruz afirma que “as mulheres vêm assumindo um papel de provedoras e de chefias de família, sobretudo por deter em suas mãos o poder aquisitivo e contribuírem, efetivamente, para o orçamento doméstico” (2018, 105), essa teoria evidencia a realidade da Entrevistada 7: “A gente tem que dividir, não existe mais assim essa questão, a mulher fica dentro de casa e o marido é provedor. A mulher é tão provedora quanto o marido, então da mesma forma que ela tem responsabilidades, ele tem outras sim”.
Das vinte entrevistadas, somente cinco comentam que já pensaram em parar de trabalhar em decorrência da maternidade, mas não o fizeram devido à questão financeira e à necessidade de ser provedora do lar. A vontade de independência é muito presente na vida destas mães gestoras. “Sempre gostei muito de trabalhar, sempre quis ter essa minha vida, muito independente, nunca quis ficar dependente de ninguém”, afirmou a Entrevistada 8.
A necessidade de equilibrar a vida pública (profissional) e pessoal (familiar), conforme destacada por Bruzamarello et al. (2019), está presente na vida das gestoras. Beltrame e Donelli acrescentam que “a maternidade não tem uma visão tão atrativa como em outras épocas. Dadas as características da sociedade pós-moderna, há um aumento de possibilidades e exigências em torno da mulher e de sentimentos” (2012: 38). Esta mesma ideia é reforçada por Farinha e Scorsolini-Comin (2018). Entretanto, quando se fala em impacto, a tendência é pensar o lado negativo, mas algumas entrevistadas comentam que o impacto que a maternidade teve em sua vida profissional, foi positivo.
Eu acho que a maternidade impacta inclusive positivamente, porque a gente desenvolve consequências depois de ser mãe, que eventualmente a gente não tinha antes, então uma atenção nas priorizações, a gestão do tempo, tem coisas que a gente melhora depois da maternidade (Entrevistada 7).
Eu acho que eu me tornei uma pessoa mais tranquila, compreensível, comecei a olhar outros lados das coisas, mudei alguns valores (...). Eu acho que sou uma pessoa mais compreensiva, eu acho que eu sou uma melhor profissional por ter sido mãe (Entrevistada 14).
Acho que me deixou mais sensível, compreendendo algumas prioridades que as outras pessoas dão, não só no trabalho então eu acho que o impacto foi positivo em relação a entender as opções que as pessoas fazem sem criticar (Entrevistada 20).
Pode-se perceber que grande parte das entrevistadas acreditam que a maternidade impactou de forma positiva na sua carreira, mas há também as que relatam que a maternidade não teve impacto nenhum, que é o caso das entrevistadas 2, 4, 5, 9, 11, 16. As entrevistadas que acreditam que de alguma forma a maternidade impactou de forma negativa são as entrevistadas 13, 17 e 18. A Entrevistada 13 explica que após seu retorno da licença maternidade, ela foi muito cobrada pelo mesmo desempenho de antes, sendo que antes em algumas situações estendia-se até tarde da noite no trabalho, e após o nascimento da filha, tinha outra rotina, sofria cobrança no trabalho e em casa do esposo, quando ficava até mais tarde. Ao contrário disso, a empresa na qual a Entrevistada 17 trabalha, deu suporte e apoio nessa nova fase de sua vida, ela comenta que não fez nenhuma viagem a trabalho no primeiro ano da filha, ação acordada entre ela e a empresa.
Dentre as 20 entrevistadas, 11 delas mencionaram que não tiveram nenhum tipo de julgamento pela sua escolha entre maternidade e carreira, dentre elas a Entrevistada 17 relata que por trabalhar com homens imaginava que sofreria algum tipo de julgamento, mas ocorreu o contrário, foi muito bem tratada e inclusive mimada pelos colegas e clientes. As Entrevistadas 4, 5 e 16 expõe que o julgamento existiu no trabalho. As pessoas as julgavam por suas decisões maternas sobressaírem as profissionais. O oposto aconteceu com as Entrevistadas 12, 13 e 15 pois os julgamentos vieram por priorizar o trabalho. Os julgamentos existem para todas as mulheres, algumas são julgadas por trabalhar demais, outras por dar mais atenção aos filhos, e as gestoras mães mostram-se mais sensíveis para lidar com essa situação junto a sua equipe.
Estas constatações reforçam a lógica institucional da maternidade apresentada por Picheth e Crubellate (2019) e as cobranças internas das mães, em especial logo após o nascimento dos filhos (Andrade et al., 2020). Apesar das dificuldades, observou-se que as mulheres persistiram na construção de suas trajetórias profissionais. Como destacam Moura e Oliveira-Silva (2019), a realização profissional é um dos elementos que move as pessoas. Além disso, há a questão da contribuição das mulheres com a renda da família (Bruzamarello et al., 2019).
A gestora mãe, possui características especificas de mulheres que já passaram pelo processo da maternidade e que as tornam profissionais com potencial para a liderança. Essas mulheres não priorizam nem trabalho, nem maternidade, elas vão ajustando o que deve ser feito e em que momento, adaptando-se às circunstâncias do momento. A Figura 1 apresenta uma síntese dos resultados encontrados na pesquisa empírica.
Figura 1 –
Trajetória das gestoras mães
Fonte: Elaborada pelas autoras a partir dos dados da pesquisa
A trajetória da gestora mãe mostrou-se consolidada por planejamento, organização e a gestão do tempo. Todo o processo de organização que elas desenvolvem em prol da rotina materna é aprimorada e pode ser aplicada à gestão.
Compreende-se que após os avanços da endocrinologia, as mulheres têm o poder de escolher quantos filhos terão e quando. Desta forma, elas podem planejar sua vida, possibilitando-as de desenvolver uma carreira profissional, estudar, trabalhar e vincular tudo isso com a maternidade, a qual é adiada de forma planejada. Entretanto, outras mães tiveram seus filhos de forma não planejada e precisaram conciliar a maternidade com demandas pessoais, profissionais e afetivo-sexuais. Percebeu-se que, para esse segundo grupo, a rede de apoio tem um papel mais relevante para que a mãe possa estruturar uma carreira e atender às demais demandas.
Após o nascimento da criança o ideal é que a mãe tenha um período dedicado exclusivamente ao filho, porém nem todas conseguem parar os quatro meses que lhe é de direito. O motivo principal pelo qual as mulheres fazem questão de manter a vida profissional após a maternidade está baseado na satisfação que o trabalho trás, as recompensas obtidas, e a principal delas é a independência. Muitas mulheres, para conseguir conciliar filhos e profissão, tornam-se empreendedoras. Os resultados do estudo corroboram o exposto por Andrade e Iwamoto (2019) ao afirmarem que as mulheres enfrentam as dificuldades de conciliação de atividades e responsabilidades após a maternidade pois o trabalho representa uma fonte de realização pessoal. Nesse sentido, face às dificuldades de seguir uma trajetória específica, as experiências relatadas mostram que as mulheres buscam oportunidades que permitam a continuidade de sua atuação profissional.
Evidencia-se que os impactos que a maternidade tem na vida profissional das mulheres compreendem o senso de priorização, a sensibilidade, as mudanças cognitivas e cerebrais, e as cobranças sofridas pelas mudanças de rotina que por vezes são feitas pelo ambiente profissional. As mulheres ainda sofrem cobranças tanto na vida pública quanto na privada.
Os Desafios da Conciliação da Maternidade e da Carreira
Mósca et al. (2014) expõem que os desafios surgem para todas as pessoas, mas o ser humano busca motivação para conseguir seguir em frente e superá-los. Onze entrevistadas afirmaram que suas famílias são suas fontes de inspiração para superar os desafios, como destaca a Entrevistada 2: “O amor de família (...) os pais, os irmãos, marido e filhos, essa é a conjunção perfeita.”
Cruz menciona que “[A] autonomia dá ênfase à faceta psicológica do conceito de empoderamento, envolve o poder desde dentro para que as mulheres possam exercer qualquer poder sobre os outros segmentos da sociedade” (2018: 107), e é a busca da construção de um exemplo que sustenta muitas das gestoras mães.
A gente quer ser todo dia uma pessoa melhor (...). Até porque eu me sinto exemplo (...) se eu for uma pessoa ruim, for uma pessoa profissionalmente péssima, ou que trata mal as pessoas, elas [as filhas] vão ter esse exemplo, elas vão fazer o mesmo. Eu não quero isso para elas. Eu quero que elas sejam pessoas boas, sejam pessoas do bem e sejam bem-sucedidas futuramente também (Entrevistada 5).
A realização pessoal é outra fonte de inspiração identificada. A Entrevistada 12 relata que “a minha motivação na verdade é fazer todos os dias aquilo que eu gosto”. A Entrevistada 14 comenta: “eu criei a minha empresa, então ela é um filho também (...)”. Isso associa-se a um propósito, como menciona a Entrevistada 7:
Motivação para minha vida é eu realizar os meus propósitos! Eu tenho um desejo de trabalhar com pessoas, ajudar no desenvolvimento de pessoas, eu gosto muito disso, então o fato de eu poder trabalhar e fazer o que eu gosto me realiza, o fato de eu voltar pra casa ver o sorriso do meu filho e sentir esse amor que existe entre a gente me inspira a continua.
A dupla jornada exige destas profissionais uma capacidade de controle muito grande para o desenvolvimento de suas atividades, o que muitas vezes vem associada a uma necessidade de perfeição utópica. Brasil e Costa (2018) consideram, neste sentido, que talvez por ser julgada no passado como incompetente e incapaz, a mulher desenvolveu a necessidade de ser perfeita em todos os aspectos de sua vida, comparando-se com homens que trabalham e dedicam o maior tempo de sua vida a carreira, como exemplo de profissional de sucesso. Elas também se comparam com mulheres que estão em casa em período integral como exemplo de perfeição de mãe e dona de casa, o que torna injusto, tendo em vista a dupla jornada de mãe e profissional.
A Entrevistada 3 relata que “Preciso ter controle de tudo! Tudo, tudo, tudo, tudo. Nada não passa na minha mão” e a Entrevistada 5 afirma “Sim! Eu sou uma pessoa controladora, tudo tem que passar por mim”. A Entrevistada 12 menciona que “A gente tem que ter controle de tudo ao mesmo tempo que está acontecendo, para não ser pega de surpresa por algumas coisas, mesmo que tu tenhas o apoio tu tens que saber o que está acontecendo”. Mas ao mesmo tempo, percebe-se nestas gestoras a consciência de que este controle, assim como a perfeição, é utópico. Neste contexto, a capacidade de delegar torna-se uma grande aliada destas profissionais. Como destaca a Entrevistada 6 ao afirmar que é impossível ter controle de tudo, que quando alguém tenta controlar o outro acaba-se anulando a outra pessoa.
Dentre os aspectos a serem gerenciados pelas mães gestoras, todas destacaram que o maior desafio é a gestão do tempo. “Eu acho que o desafio é a gente viver o momento que a gente está em cada lugar, quando eu estou em casa, eu estou em casa! Meu tempo é este, esse é meu mundo, quando eu sair vou para o trabalhado, então o trabalho é meu momento, estou ali”, comenta a Entrevistada 2. Essa necessidade de gestão do tempo para conciliar as diferentes demandas muitas vezes não é percebida externamente. Como afirmam Martins e Marinho (2021), o trabalho doméstico nem sempre é percebido pela sociedade. Isso faz com que a gestão das demandas pelas mães gestoras se torne uma tarefa ainda mais complexa pois muito do seu trabalho não é percebido como ocupação.
O tempo sempre é o problema né! Mas a gente aprende a lidar né! Por exemplo, eu terminei o mestrado em 2004, eu já era casada, mas eu não tinha filho, eu poderia ter feito o doutorado na sequência, mas eu não fiz porque eu achava que não tinha tempo, que ironia (risos) (Entrevistada 6).
Todas as entrevistadas dividem seu tempo em diversas tarefas que estão envolvidas cotidianamente. As priorizações são feitas, mas muitas vezes elas renunciam a uma coisa para realizar outra. Percebe-se que elas sentem uma necessidade de ser uma supermulher, que é capaz de viver plenamente todos os âmbitos a qual elas escolhem pertencer, o que acaba levando, muitas vezes, à culpa. “Que mãe nunca sentiu culpa na vida? Isso é mentira (risos) por que quando alguma coisa não acontece do jeito que a gente espera a primeira pergunta que a gente fazia: aonde foi que eu errei?” (Entrevistada 19).
Percebe-se que as entrevistadas que relatam sentir algum tipo de culpa, a sentem por se cobrarem perfeição em todas as áreas em que atuam e as que dizem não sentir culpa nenhuma não demonstram tanta cobrança pessoal. Percebe-se também que a maioria que se diz controladora também sente culpa, talvez porque centralizem tanto nelas mesmas as funções que se cobram demasiadamente. O conflito, muitas vezes gerado pela busca por ser uma “boa mãe” face às suas limitações (Andrade et al., 2020), amplia esse sentimento de culta. Ao passo que a criação dos filhos permanece ainda como forte elemento cultural feminino (Antoniazzi, 2021), se consolidam ainda mais os aspectos institucionais da maternidade (Picheth e Crubellate, 2019).
Alguns desafios são amenizados quando a mãe possui ajuda para os cuidados com os filhos. Bruzamarello et al. (2019) comentam que houve uma alteração do papel tradicional de mãe, e o pai deixou de ser ausente na criação dos filhos. As entrevistadas relataram contar com uma rede de apoio ou algum suporte, tais como esposo, avós, padrinhos, amigos, babás e creches. Conforme a Entrevistada 8 “a gente não consegue sozinha”. Interessante destacar o exposto pela Entrevistada 14 que salientou que sua rede de apoio, no caso uma babá, permite que ela não apenas possa se dedicar mais ao trabalho, mas também para si mesma. Na busca do equilíbrio entre os papéis de profissional, mãe e esposa, também é preciso encontrar o tempo para a mulher e sua individualidade.
A mudança cultural que a ida da mulher para o mercado de trabalho gerou fez com que as mulheres buscassem opções de cuidados com os filhos, de forma que elas não fossem as exclusivas cuidadoras. Muitos pais estão mais presentes na vida familiar e muitas mães revezam todas as tarefas de casa e dos filhos com os pais. A Figura 2 apresenta uma síntese dos desafios identificado pelas gestoras mães para conciliar maternidade e carreira.
Figura 2 – Os desafios da conciliação
da maternidade e da carreira
Fonte: Elaborada pelas autoras a partir dos dados da pesquisa
A principal fonte de motivação e inspiração das mães frente a esses desafios são seus filhos, porém elas também se baseiam nos propósitos que tem em relação a sua vida e inspiram-se em mulheres de sucesso. É interessante destacar que o controle está entre os desafios, pois algumas mulheres são controladoras e tem necessidade disso, se cobram demasiadamente pela perfeição. Percebe-se que gerir o tempo de maneira efetiva é outro grande desafio, pois há uma necessidade de adaptabilidade da mulher para se dividir entre o ambiente empresarial e familiar.
Outro ponto a ser destacado é a culpa, pois valores enraizados na cultura feminina, por vezes, as fazem sentir-se culpadas por não estarem presentes em casa, por outras vezes, é cobrada por não estarem disponíveis no trabalho como o empregador gostaria. A culpa é muito relativa, pois depende de o quanto a mulher é cobrada e o quanto se cobra. Para que a mulher consiga exercer os dois papéis de mãe e gestora, ela precisa de uma rede de apoio e dividir as tarefas no lar, necessita também do suporte na empresa.
Aprendizados da Maternidade na Carreira das Gestoras
Embora a literatura e a troca de experiências contribuam com a formação das mães gestoras, percebe-se que se trata essencialmente de um processo de learning-by-doing que é, em grande parte, reflexo de suas trajetórias e dos desafios enfrentados. Rosas (2009) afirma toda a mudança cultural que houve com o ingresso das mulheres no mercado de trabalho e o seu crescimento profissional gerou a necessidade de progresso nas formas de trabalho: uma mãe com um filho doente precisa dedicar-se no primeiro momento à criança, compensando depois o seu trabalho. As profissionais já reconhecem as empresas que as apoiam, e a distinguem por esse critério. As entrevistadas afirmam com bastante ênfase que se tiverem alguma urgência com os filhos, sua equipe está preparada para suprir sua falta. Afirma a Entrevistada 16: “Sim! Eu tenho uma equipe que além de estar preparada, ela vai ter a compreensão que esse momento eu preciso tirar para resolver essa situação, que eu vou voltar melhor depois”.
As gestoras foram questionadas sobre quais consideram suas principais qualidades profissionais e aspectos como empatia, dedicação, organização, flexibilidade e liderança foram alguns dos destaques. Interessante observar que a maioria destacou habilidades interpessoais, e não aspectos técnicos, muito embora tenham sido questionadas sem este enfoque específico. Essas características revelam-se como consequências do processo de maternidade visto que as entrevistadas foram unânimes em afirmar que a maternidade alterou a suas atuações profissionais como gestoras. As entrevistadas 2, 3, 8, 9, 12, 14, 15, 16 e 19 relatam que as mudanças que ocorreram estão diretamente relacionadas à empatia, à capacidade de colocar-se no lugar do outro, de entender as necessidades do ser humano individualmente. As entrevistadas 5, 6 e 13, por sua vez, comentam que a principal mudança significativa após a maternidade foi a paciência.
Cabe considerar que as características elencadas pelas entrevistadas, com exceção de liderança, são tradicionalmente consideradas femininas. Embora o escopo desse artigo não aborde questões de gênero conforme as delimitações iniciais, trata-se de um ponto de análise reflexiva importante para o contexto do estudo. Muito embora as entrevistadas tenham atribuído suas características como decorrência da maternidade, por serem características naturalmente femininas, as mesmas poderiam ter se desenvolvido a partir do seu próprio amadurecimento pessoal e profissionais. Assim, cabe questionar até que ponto a maternidade influenciou o desenvolvimento dessas características, mas não se revela adequado atribuí-las apenas à maternidade.
A maior parte das entrevistadas acredita que houve mudanças na sua forma de atuação após a maternidade e citam, em destaque, alterações emocionais. Moler e Gomes (2010) reconhecem que as organizações modernas buscam líderes que tenham visão sistêmica, que sejam resilientes e capazes de ver os mais diversos pontos de uma situação. Os autores acima citados acreditam que os novos modelos de gestão buscam líderes que se preocupem com o próximo, que liderem de forma fraternal e que entendam o outro. Apesar dessa demanda mais recente do ambiente profissional, isso não deveria significar uma diminuição das características mais vinculadas como masculinas no ambiente profissional, logo, da competência profissional das mulheres. O ambiente corporativo passou a valorizar novas características, sem que as demais fossem menosprezadas. A ascensão profissional pode ter começado a valorizar aspectos diferentes, viabilizando que mulheres que possuem competências em outras áreas já tradicionalmente valorizadas, passassem a ter mais oportunidades em decorrência do destaque que passou a ser dado a aspectos antes diminuídos. Nesse sentido, a maternidade não diminui a capacidade profissional, mas pode contribuir com o aprimoramento de qualidades sensoriais, eficazes aos gestores.
Para a Entrevistada 1, “Eu tenho muito daquela coisa da visão sistêmica de ver tudo, de estar atenta a tudo que está acontecendo, de conseguir perceber as coisas (...)”. Já a Entrevistada 6 destaca que “[...] eu acho que uma competência que eu utilizo muito é a capacidade de buscar soluções que não sejam boas só para mim, de ouvir as pessoas e construir soluções em conjunto assim a competência da colaboração, da cocriação (...). Complementando, a Entrevistada 10 considera que “Você tem que saber motivar a sua equipe, você tem que ter conhecimento para que você possa transferir conhecimentos [...] eu acho que tem que ter bastante resiliência”.
Na vida das mães gestoras entrevistadas, o trabalho assume um papel central, seja pela necessidade da renda, pela independência ou pela realização pessoal. As entrevistadas 2, 5, 6, 7, 8, 9, 11, 12, 13, 15 consideram que o trabalho é importante pelas conquistas que se tem com ele, os objetivos de vida que só são alcançados com o retorno financeiro do trabalho, o reconhecimento, a satisfação em se realizar com seu trabalho, de usar suas qualidades e sentir-se viva. O principal fator mencionado pelas entrevistadas sobre o aprendizado é justamente a liberdade que o trabalho proporciona. “Trabalho é uma coisa que te enobrece, te dá vida, o trabalho é tudo né, trabalho é a coisa mais importante que existe, porque se tu tens trabalho tu tens saúde, se tu tens saúde tu tens tudo”, reflete a Entrevistada 3.
A Figura 3 ilustra os aprendizados resultantes da maternidade na carreira das gestoras identificados na pesquisa empírica.
Figura 3 – Aprendizados da maternidade
na carreira das gestoras
Fonte: Elaborada pelas autoras a partir dos dados da pesquisa
Os aprendizados adquiridos com a maternidade são usados na gestão. O cérebro da mulher tem capacidades mais ligadas à emoção, permitindo que ela potencialize a visão sistêmica, entendendo o que está por trás dos processos, tanto técnicos, como humanos. Do mesmo modo, as mudanças que a maternidade proporciona ao perfil profissional da mulher podem contribuir para ampliar sensibilidade nas relações, fator que proporciona um diferencial competitivo na liderança e o aumento da capacidade de empatia. É preciso deixar claro que não é a maternidade que viabiliza essas características, mas que a experiência da maternidade pode contribuir para que essas características aflorem na atuação profissional das gestoras. Como afirmam, Farinha e Scorsolini-Comin (2018), a mulher contemporânea conhece o seu espaço na sociedade. Isso permite que ela use as suas experiências, no caso com a maternidade, para se desenvolver.
Impactos da Maternidade na Atuação Profissional
Em concordância com o destaque dado pelas entrevistadas à empatia, constatou-se que há uma preocupação das gestoras com as necessidades maternas e paternas, dos membros das suas equipes. As entrevistadas 1, 4, 5, 6, 9 10, 11, 12, 14, 15, 16, 18 e 20, comentam que colaboram, trocando ideias em relação a cuidados, situações, criação, aconselhamentos e dando liberdade para saídas quando há a necessidade. Interessante a opinião da Entrevistada 3 que afirmou que sempre colaborou, mas que antes de ser mãe ela via essas necessidades de uma forma diferente do que após ter sua filha. Antes ela liberava, mas não entendia e muitas vezes até criticava, depois ela começou a compreender e realmente conseguir exercer a empatia. Além disso, as gestoras percebem que a motivação advinda da empatia da gestora é um diferencial na retenção de talentos na organização. Conforme depoimento da Entrevistada 17: “A gente fica mais sensível, então a partir do momento que tu ficas mais sensível, tu te colocas mais no lugar do outro”. Esses resultados vão ao encontro do exposto por Cembranel et al. (2020), segundo os quais as gestoras mães teriam maior dificuldade em gerir equipes.
Devido à sensibilidade maternal, essas mulheres conseguem liderar de forma diferenciada, pois tendem a ver além do problema, percebem o ser humano que fez a ação. Assim, podem ter um maior conhecimento e entendimento dos perfis dos indivíduos, o que leva a maior tolerância em situações de estresse. As gestoras buscam resolver a causa dos problemas sem afastar ou desmotivar sua equipe. Dessa forma, criam laços de afeto que vão além de relações empresa e empregado. Esses relatos corroboram o exposto por Silva et al. (2017) de que as mulheres têm uma sensibilidade como um fator estratégico para liderar equipes.
Para além da empatia, ao serem questionadas sobre quais capacidades, habilidades ou virtudes profissionais a maternidade desenvolveu ou aprimorou, obtiveram-se respostas muito distintas. Destaca a Entrevistada 4: “Acho que a maternidade te traz mais sabedoria, ela te amadurece muito mais, então tu aprendes a lidar com situações de maneira muito mais ponderada, flexível”.
Acho que a gente acaba sendo multifuncional, aprendendo muito até com eles, porque cada serzinho tem um jeito de ser que tu tens que te adaptar e eu acredito que seja a mesma maneira que a gente lida com as pessoas, porque cada pessoa tem a sua história e para que a coisa funcione, cada um tem que se adaptar na sua realidade parta a coisa fluir (Entrevistada 2).
Características de gestão como a preocupação com o autodesenvolvimento, comunicação, organização, visão sistêmica e resiliência (Hryniewicz e Vianna, 2018; Mandelli, 2015; Moller e Gomes, 2010) foram exemplificadas nos relatos das entrevistadas. Embora não sejam características exclusivas das gestoras mães, percebe-se sua presença na atuação profissional das mesmas.
O esperado é que o líder use seu poder não somente como influenciador de pessoas, mas também como ferramenta de empoderamento. Todas as entrevistadas comentam que proporcionam flexibilidade às mães de sua equipe, dentro do possível, utilizando-se de bancos de horas, de trocas de turnos e de outras formas de auxílio que não prejudiquem o ambiente de trabalho. “A responsabilidade não pode ser só de um lado, tem que ser dos dois. A pessoa vive melhor, porque ela sabe das responsabilidades, ela cumpre com suas responsabilidades”, afirma a Entrevistada 2.
No intuito de concluir a análise dos dados é importante ressaltar que, de acordo com Hryniewicz e Vianna (2018), as mulheres apresentam uma ascensão nos cargos de gestão. É uma luta por muitas vezes sacrificante e silenciosa para alcançar espaço, desmitificando tabus e demonstrando preparo e competência, não competindo ou igualando-se ao homem, mas sim demonstrando que a mulher é capaz de utilizar habilidades femininas para concluir tarefas e liderar uma equipe. Desse modo, as entrevistadas demonstraram que utilizam de aptidões maternas para desenvolver sua liderança, ou seja, a maternidade de forma nenhuma inferioriza uma profissional, mas sim pode contribuir para o seu desenvolvimento.
A Figura 4 sintetiza os impactos da maternidade na atuação profissional das gestoras mães. Estas mulheres possuem mudanças cerebrais, emocionais e cognitivas desenvolvidas em decorrência da maternidade e utilizadas em sua vida profissional, o que as tornam profissionais amplamente preparadas para diversas situações, aliado ao fato de que se aprimora a visão sistêmica, fator de demasiada importância a qualquer gestor.
Figura 4 – Impactos da maternidade
na atuação profissional
Fonte: Elaborada pelas autoras a partir dos dados da pesquisa
Percebe-se que, dentre os impactos sintetizados a partir das respostas coletadas, as necessidades maternas das gestoras são evidenciadas por meio do suporte que a equipe de trabalho proporciona, para poder ausentar-se em prol do cuidado com os filhos. Outro ponto a ser destacado é o aumento da empatia das gestoras no ambiente profissional proporcionado pela maternidade. Constatou-se também que as líderes desenvolvem multifunções, pois conciliam seu trabalho com a maternidade e os cuidados da casa, características demonstradas por meio das capacidades de gestão de cada entrevistada.
O processo de delegar as tarefas tanto em casa quando no ambiente profissional, proporciona à gestora possibilidade de ausentar-se de ambos, do mesmo modo que gera autonomia aos outros. É perceptível que a flexibilidade se torna essencial às mães, quando a empresa disponibiliza flexibilidade em uma urgência da mãe, ela também deve colaborar nas funções necessárias para que o trabalho não seja prejudicado, construindo uma reação de confiança entre a gestão e os colaboradores.
Considerações Finais
As mulheres estão conquistando cada vez mais espaço no âmbito profissional e principalmente de gestão. A unidade de análise utilizada nessa pesquisa evidenciou que as gestoras utilizam de atributos maternos para o dia-a-dia de trabalho. Constatou-se que a maternidade não atrapalhou a trajetória profissional destas gestoras, mas pelo contrário, por diversas vezes as motivou e as norteou. A maternidade pode ser um diferencial sem reduzir a eficácia da liderança. Mas, mesmo com tanto avanço feminino, elas ainda sofrem preconceito e, por diversas vezes, são vítimas de discriminação.
Por meio da investigação da trajetória de mães que estão em posições de liderança no seu momento atual de carreira, foi possível identificar elementos como empatia e capacidade de gestão do tempo como seus diferenciais. Dentro de ambientes nem sempre amigáveis à maternidade, a trajetória e os aprendizados destas mulheres permitem a reflexão sobre como a maternidade ainda é vista como um obstáculo no ambiente corporativo.
Com relação às contribuições teóricas dessa pesquisa, embora existam muitos estudos sobre o impacto da maternidade na atuação profissional das mulheres, pesquisas que estabeleçam a relação com liderança ainda são escassas. Compreendemos eu nossos resultados, muito embora não possam ser generalizados, colaboram com essa discussão ao apresentar elementos sobre a trajetória das mães gestoras em posição de liderança. Ainda, liderança feminina é um tema de pesquisa corrente na área de gestão de pessoas. Acreditamos que adicionar a maternidade nessa análise seja um elemento importante para o avanço do conhecimento científico.
Ao mesmo tempo, entendemos que nosso estudo apresenta contribuições gerenciais dentro de duas perspectivas. A primeira se refere às mulheres, mães gestoras, que podem encontrar inspiração nas experiências das mulheres apresentadas em nosso estudo para que possam se sentir menos solitárias e mais encorajadas a enfrentar o desafio de conciliar suas vidas profissionais e maternidade. A segunda se refere às organizações e seus gestores, os quais lidam com colaboradoras que, ao se tornarem mães, precisam de compreensão e acolhimento nesse novo período. De forma alguma a maternidade representará uma perda de produtividade da profissional. Ao contrário, pode representar um momento de grande dedicação e resultado pelas mães gestoras mas, para que isso aconteça, as organizações precisam estar preparadas, compreendendo que o momento pode exigir demandas diferentes das mães gestoras, como flexibilidade no horário de trabalho e apoio em situações inesperadas, como doença de filhos. Quando há o apoio das organizações, as gestoras mães valorizam o mesmo e tem um maior comprometimento. Políticas e programas de apoio a mães, e pais, são importantes ferramentas de gestão de pessoas que precisam ser desenvolvidas pelas organizações.
Considerando as características metodológicas deste estudo é preciso que os resultados aqui apresentados de forma descritiva sejam considerados como uma ferramenta de reflexão sobre o papel da maternidade no ambiente corporativo contemporâneo, não tendo nenhum objetivo de generalização. As dificuldades, os desafios e os aprendizados destas mulheres podem servir de inspiração para outras profissionais que estão passando pelo momento da maternidade ou que estejam planejando este momento. Além disso, servem ainda como ferramenta de reflexão para gestores em geral, homens e mulheres, os quais ainda apresentam limitações para a gestão de equipes com membros gestantes e mães.
Não foi intuito deste estudo levantar discussões de gênero, nem de diferenças e preconceitos, mas sim promover uma reflexão sobre como a maternidade pode contribuir para o desenvolvimento de líderes. Ainda nos dias atuais, é frequente a preocupação das mulheres com a necessidade de conciliar vida profissional e a maternidade, muitas vezes adiando a vontade de ser mãe e nem sempre conseguindo esta realização. As conquistas femininas no mercado de trabalho não deveriam representar uma limitação ao desenvolvimento da mulher. Enquanto avanços como a pílula anticoncepcional permitiram o melhor planejamento da vida familiar, não há avanços em termos de retardo da menopausa. Sendo a idade fértil muitas vezes a de maior crescimento profissional das mulheres, é preciso que esta discussão não seja ignorada para que as profissionais de hoje se sintam seguras para tomarem a decisão de ter filhos ao mesmo tempo em que se dedicam a suas carreiras.
Além das questões metodológicas, entendemos que outras limitações residem no estudo de um grupo muito limitado de gestoras, que em sua maioria tiveram filhos dentro de um casamento heteroafetivo. Aspectos específicos de relações homoafetivas não foram abordadas aqui e representam limitações do estudo. Além disso, o papel dos pais e mesmo dos avós na criação das crianças e no sustento das famílias foi abordado de forma superficial, dado que o foco esteve na gestora, mas representam oportunidades futuras de estudos. Estudos quantitativos com potencial de generalização devem ser estimulados nesta área de pesquisa para o maior avanço do conhecimento.
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